domingo, 26 de julho de 2015

Ah, então você estuda Japonês...

Eu não lembro quando comecei a ter contato com a cultura japonesa, talvez tenha sido com desenhos e seriados que eu assistia na tv quando criança, ou talvez com video games que jogava nesta época. O que lembro é que desde pequeno esse interesse no Japão sempre esteve comigo, algumas vezes fui mais interessado e em outras menos. Mas sempre achei interessante esse país que fica do outro lado do mundo.

Conforme fui me tornando adulto fui trocando os desenhos e seriados pela literatura e os video games pela música. Além claro de desenvolver um interesse na história e política do país, que são muito diferentes das Américas.

Fui bastante criticado por ter nutrido esse interesse particular, as críticas aumentaram exponencialmente quando comecei a estudar o idioma japonês. Ainda escuto algumas críticas de brasileiros por estar no Japão me inteirando mais da cultura.
Uma típica rua comercial japonesa

Por ter acontecido já há alguns anos, antes da popularização da internet e da consequente propagação da informação, eu achava que isso tinha mudado. Ledo engano, nada mudou. Infelizmente ainda existe uma mentalidade conservadora em relação a ideias novas e novos conhecimentos no Brasil.


É óbvio que ter interesse em algo diferente, do outro lado do mundo, sem aparente relação direta com a cultura e tradição brasileira, não seria totalmente bem vindo no Brasil, país conservador e eurocêntrico. Algo muito chato que creio que vá demorar a mudar.

Numa conversa que tive recentemente com um amigo que possui um site sobre ensino de Japonês
 (AulasdeJapones.com.br) fiquei sabendo que essas críticas a pessoas que estudam Japonês ou que simplesmente tem interesse no Japão infelizmente continuam. Depois dessa conversa decidi escrever esse post enumerando as críticas que me foram mais comuns e como eu responderia hoje a elas. 

Espero que seja um estímulo não apenas a aqueles que tem interesse no Japão, mas também a todos aqueles que tem algum interesse fora do mainstream da cultura mas sofrem com críticas de gente ignorante.
Listei algumas perguntas e afirmações que ouvi, e ainda ouço, bastante durante todos esses anos. Muitas vezes não soube como responder, mas hoje eu tenho algumas boas respostas para cada uma delas.

Por que você estuda Japonês?
E por que não?
Claro que é possível listar uma série de benefícios de estudar um idioma estrangeiro, mas na verdade não é necessário.
As pessoas têm gostos diferentes, algumas têm vontade de aprender Japonês. Simples assim.

Mas pra que você vai usar isso? 
Pra tudo.
Tudo que eu posso fazer em Português, eu também posso fazer em Inglês ou em Japonês.
Posso ler livros, assistir filmes, conversar com meus amigos, ouvir música,etc.

Não é uma língua inútil?
Não existe língua inútil.

Mas não é muito difícil?
É.
Não é fácil como aprender outras línguas latinas como Espanhol ou Francês, e também não existem muitas proximidades em vocabulário como no caso do Inglês.
Justamente por não ter proximidade com o Português como no caso das línguas européias, não existem "atalhos" para a aprendizagem. É um teste de resiliência.

Por que ao invés de estudar Japonês você não estuda Espanhol/Francês/Alemão/outro idioma?
Porque eu quero estudar Japonês.
Porque todos esses idiomas têm o mesmo grau de utilidade.
Porque todas as culturas das quais esses idiomas fazem parte são igualmente ricas.

Você acha que um dia vai pra lá?
Tô aqui. Muitos outros como eu também estão.

Mas você é descendente?
Não sou, e essa pergunta sequer faz sentido.
Existem muitos descendentes de japoneses no Brasil, e alguns deles mantém uma relação forte com a cultura de seus ancentrais. Assim como existem descendentes de italianos, portugueses, espanhóis, angolanos,alemães, moçambicanos, armênios, entre outros no Brasil, e alguns deles também mantém uma relação forte com a cultura de seus ancetrais.
Porém, não existe nenhum tipo de contrato de exclusividade nem de obrigatoriedade entre os descendentes de um povo e a cultura desse povo.
Um descendente de italianos não é obrigado a falar italiano, nem é esperado que o fale. E quando alguém estuda italiano, ninguém pergunta se essa pessoa é descendente de italianos.
Logo, não faz sentido relacionar o idioma japonês com os descendentes de japoneses.

Você é viciado em desenho japonês? (anime)
As vezes essa pergunta vem com a afimação "você deve ser otaku".
Eu pessoalmente não sou muito fã de desenhos em geral. Mas se eu fosse fã e estudasse Japonês por causa disso, teria um motivo tão legítimo para estudar quanto qualquer outro.
O mesmo vale pra quem gosta de moda japonesa, música, video games,etc. 

Mas esse negócio de anime não é coisa de criança?
Alguns anime são feitos para crianças, outros não.
Anime é apenas um tipo de entretenimento, como são as telenovelas e o futebol no Brasil, ou filmes e séries americanas em uma escala um pouco maior. O conteúdo varia, mas o objetivo é o mesmo - entreter.
 Há tanta infantilidade em animes quanto há em outras formas de entretenimento.
Se vestir de ninja dessa forma talvez seja coisa de criança


Pois é, muitos daqueles que tem interesse em Japão e resolvem estudar o idioma acabam tendo que responder uma dessas perguntas, enfrentam diversos tipos de provocação e acabam a motivação abalada.
Não desistam! Não deixem que gente ignorante os desanimem. Lembrem-se que, no fundo, as perguntas sem sentido e os comentários negativos são em geral muito mais reflexo da insegurança e desconhecimento dos provocadores do que qualquer outra coisa.


E você, já passou por alguma situação chata ou  teve que responder alguma pergunta estranha por ter interesse no Japão, estudar japonês, ou por qualquer interesse incomum? Comente.



sábado, 18 de julho de 2015

Que perguntas te fazem? Te acham exótico?

Quando a gente nasce e cresce em um lugar sem conhecer lugares e pessoas diferentes, é normal que tenhamos uma visão muito etnocêntrica do mundo. Também é normal que não tenhamos ideia do que pensam de nós.

Desde que sai do Brasil me tornei representante do país, referência sobre assuntos brasileiros e latino americanos, e alvo de comentários e perguntas que nunca fora perguntado antes. Algumas coisas eu já esperava, como comentários sobre futebol, carnaval, amazônia, bossa nova e outros clichês; porém  outras perguntas me foram completamente inesperadas. Com tantas perguntas sobre meu país e consequentemente minha identidade, eu acabei refletindo bastante sobre o Brasil.

Antes de começar a comentar as perguntas, quero lembrar vocês que elas não vêm apenas de japoneses, mas de pessoas de várias partes do mundo com quem tenho contato.

Vamos às perguntas:

Como é a Floresta Amazônica?
Pouca gente sabe quão grande é o Brasil, e que minha cidade natal ( São Paulo) fica longe da Amazônia.
Eu começo dizendo que é muito longe, e que demoraria cerca de 5 horas. Me respondem que 5 horas dirigindo vale a pena para poder ver uma floresta tão exótica e exuberante. Quando eu respondo que essas 5 horas seriam de vôo, as pessoas param por alguns segundos para pensar.

Qual a comida típica do Brasil?
Algumas pessoas se surpreendem quando eu descrevo a feijoada, outras ficam decepcionadas esperando que tivessemos algo mais exótico.
As vezes eu falo de churrasco, pizza, ou bolinho de chuva, mas em geral isso gera uma discussão de gente que tenta me provar que esses não são pratos "tipicamente brasileiros" e que não seriam tão saborosos quanto os supostos originais. Como não são todos os dias em que eu tenho paciência suficiente para iluminar alguém e livrar essas inocentes pessoas de sua ignorância elitista gastronômica, eu em geral eu só falo de coisas básicas mesmo.

Masp em São Paulo - um pouco diferente do que as pessoas imaginam que seja o Brasil.


Você não é muito branco para ser brasileiro?
Pra quem está lendo e não me conhece, eu sou branco de cabelos e olhos castanhos, tipo bastante comum em todo o Brasil.

Talvez por haver uma tendência mundial, fortemente influenciada pela mídia, em relacionar gente branca com Europa, America do Norte e Oceania ( Austrália e Nova Zelândia), e o fato de boa parte dos jogadores de futebol - exemplo mais comum de brasileiro que as pessoas mundo afora tem - serem negros ou pardos,  pouca gente espera que um brasileiro seja branco.

Outras pessoas, mais acostumadas a encontrar brasileiros por aí, não me estranham, mas sempre perguntam sobre os negros no Brasil, se a situação deles  é semelhante à dos negros nos Estados Unidos ou diferente.

Eu tento explicar que a população brasileira é bastante diversa, quase metade da população se considera branca, uma parcela um pouco menor mestiça( pardos), e que também existem muitos negros, "alguns" asiáticos, e, obviamente, "índios" ou nativos. Portanto é possível encontrar brasileiros que parecem com gente de qualquer outro país, não existe um "brasileiro padrão".

Por ser algo complexo de explicar para um leigo, eu simplesmente digo com toda naturalidade do mundo que é porque eu sou do sul.


O Brasil é um país ocidental/rico/primeiro mundo?
Pois é, segundo as notícias que tem se espalhado sobre a economia brasileira, o fato de ter uma copa do mundo e uma olimpíada em tão pouco tempo faz com que muita gente imagine que o Brasil é um país rico.
Rico ou não, não é o tipo de coisa que se explica rapidamente. Eu sempre digo que o Brasil está passando por transformações, que eu percebo pela mídia e pelas conversas que tenho com quem conheço que ainda está lá.
Se o Brasil vai chegar lá ou não eu não sei responder.

*nome de músico com cancões em espanhol* é famoso(a) no Brasil?
Eu gosto bastante de alguns artistas que têm músicas em Espanhol, mas é sempre difícil explicar que eu sou a excessão, que em geral as pessoas no Brasil só ouvem música em Português ou Inglês.

São Paulo é uma cidade tão grande assim? Maior que Kyoto?
Pois é, São Paulo é enorme, mas pouca gente tem ideia de que existem mais pessoas na cidade de São Paulo que em países como Suíça, Portugal ou Nova Zelândia.
São Paulo é umas 6 vezes maior que Kyoto.
E também tem gente que acha que a cidade do Rio de Janeiro é maior que São Paulo.

É verdade que todo brasileiro sabe jogar futebol?
Essa pergunta em geral vem como uma afirmação, "você certamente sabe jogar futebol muito bem!".
A resposta é sempre não. Eu sou perna de pau a prova viva de que existem brasileiros que não sabem jogar futebol bem.
Porém, comparado a outros países, existem muitos brasileiros que sabem jogar bem, Em geral todo brasileiro conhece razoavelmente as regras do esporte, os objetivos, nomes de clubes, e já jogou ao menos uma vez na vida.

Quando me perguntam o porquê disso, a coisa complica. É difícil explicar de onde vem essa relação maluca do futebol e o povo brasileiro. Chamam de "febre nacional", eu chamo de "doença nacional", apesar de ser um esporte sadio (especialmente se comparado ao Rugby), que une as pessoas, e dá assunto para conversas de elevador, é também o que aliena boa parte da população brasileira, dá apoio a torcidas violentas, e tem uma participação especial na corrupção.

Ah, quando eu conto que em dia de jogo da seleção brasileira em copa do mundo é decretado feriado, metade não acredita e a outra metade vai à loucura.

Este brasileiro aqui sim sabia jogar futebol.


Por que tantos imigrantes de tantos lugares diferentes foram ao Brasil?
Pouca gente entende minimamente de história a ponto de saber que a Europa e o Japão nem sempre foram ricos como hoje são. E que houveram épocas em que, para muita gente, valia mais a pena se aventurar numa terra desconhecida do que continuar sofrendo em seu próprio país.

Qual a origem da sua família?
Quem sabe que o Brasil é um país majoritariamente formado por imigrantes, tem curiosidade em saber de que parte do mundo meus antepassados vieram.
A verdade é que eu sei de alguns, e consigo especular umas coisas pelos meus sobrenomes, mas não sei muito. A maioria dos brasileiros não sabe. E nem importa na verdade.
Para não deixar ninguém decepcionado eu digo que minha família está no Brasil há mais de 10 gerações, e que por isso não sabemos, mas provavelmente vieram de algum canto da Europa e se misturaram com as pessoas daqui.

Como se diz *palavra aleatória* em Espanhol?
Muita gente acha que a língua oficial do Brasil é Espanhol. E mesmo aqueles que sabem bem que falamos Português no Brasil, assumem que, devido à proximidade com os outros países da America do Sul, e a proximidade entre as duas línguas, a maioria dos brasileiros sabe falar Espanhol sem problema algum. Nada mais longe da verdade.

Quantos nomes você tem?
Em muitos países, incluindo o Japão, as pessoas tem apenas um sobrenome, que em geral vem da família do pai, e um nome. Em algumas culturas as pessoas têm nome do meio (middle name). Mas não são comuns os casos de gente com quatro nomes.

As pessoas ficam confusas e admiradas com o fato de eu ter dois nomes e dois sobrenomes, além claro de um "de" entre meus nomes e sobrenomes, o que ajuda muito a confundir os asiáticos.

Alguns já me perguntaram se sou descendente da nobreza européia, por causa desse "de", o que me faz ter de explicar que regras européias não se aplicam no Brasil.

A título de curiosidade, recentemente eu passei a utilizar esse "de" quando assino algo para confundir as pessoas e deixar de ter problemas com bancos e outras instituições.

Todo mundo no Brasil fala Inglês?
Bom, se fala mais Inglês que Espanhol no Brasil. Mas ainda assim quase ninguém sabe.


Qual o idioma do Brasil? / Vocês falam 'brasileiro'?

Você fala "brasileiro"? ( Do you speak brazilian? ブラジル語話せるんですか?)

Dentre as perguntas que as pessoas me fazem por aqui, essa é uma das que mais me intriga, e uma das quais eu mais demorei até ter uma boa resposta.
A maioria das pessoas vai dizer que não existe língua brasileira, que se fala português no Brasil. O que não é mentira, mas nem sempre foi verdade.

Já existiu uma "língua geral brasileira" cunhada em terras brasileiras que não tinha nada a ver com o Português. Pena que foi banida e ninguém mais fala.

Hoje em dia se fala Português brasileiro, que tem uma série de diferenças com o Português lusitano e Português de outros países( Angola, Cabo Verde, Moçambique, etc).

É legal ver a cara de espanto quando explico que breakfast é "café da manhã" no Brasil e "pequeno almoço" em Portugal. E que existem palavras que utilizamos que tem origem em línguas indígenas, como "nhenhenhém" ( ficar de nhenhenhém), igarapé (rio), xará (pessoa com o mesmo nome), e tupiniquim.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Os japoneses falam Inglês?

Quem nunca veio ao Japão me pergunta coisas do tipo - os japoneses falam Inglês? É fácil se virar falando inglês no Japão? Como você faz na faculdade?

Quem já veio, seja para morar um tempo ou a turismo, reclama que quase ninguém fala Inglês e que é muito difícil conseguir informação.
"Hoje está em construção. Obrigado pela compreensão"

Eu mesmo já vi vários turistas tendo problemas em pedir informação para os locais e, como bom morador de Kyoto, fui ajudá-los. Após indicar direções e dar dicas sobre a cidade, a conversa invariavelmente vai pro mesmo ponto - por que é tão difícil achar gente que fale Inglês aqui?
País de primeiro mundo, até algum tempo atrás segunda maior economia do mundo, nível alto de desenvolvimento humano, educação de nível altíssimo, proximidade com os EUA e com a Austrália.

Apesar de tudo isso, e de estudarem inglês no ensino fundamental e médio por 6 anos, a maioria dos japoneses não consegue manter uma conversa ou mesmo responder a perguntas simples em Inglês. 

Em geral as pessoas colocam a culpa no sistema educacional japonês, onde o Inglês é ensinado através de um método ultrapassado de tradução, ênfase em livros didáticos cheios de gramática, e nada de conversação ou qualquer tipo de contato com material real como livros, filmes e música.

Há também uma grande valorização de exames de proficiência de língua inglesa (TOEFL, CPE, TOIEC, etc). É necessário ter um desses certificados para ingressar em alguns programas de pós graduação, intercâmbio, e para se conseguir empregos e promoções dentro de uma empresa.


Outras pessoas atentam para a grande diferença que há entre o Inglês e o Japonês. O que não há como discordar. Línguas de origem distintas, com pronuncia, gramática, entonação, sistema de escrita e vocabulários completamente diferente, é natural que os japoneses tenham dificuldade em aprender Inglês, assim como Ingleses e Australianos têm dificuldade em aprender Japonês.

Eu adicionaria um terceiro ítem à lista -  a distância cultural dos japoneses à cultura ocidental.

A maioria dos japoneses não tem muito contato com nenhum material cultural como livros, filmes, séries de TV, música, etc. Quem sabe Inglês entende que esse tipo de material é essencial no aprendizado, e sendo algo tão importante, dá pra perceber o efeito negativo que isso tem.

Pois é, eles não assistem Game of Thrones, nem Simpsons, não ouvem Eminem nem Arctic Monkeys.

Depende de onde você vai

Talvez para quem vem a turismo seja um pouco difícil achar alguém aleatoriamente na rua que fale inglês suficiente para um bate papo. Também não dá pra esperar que aquele senhor de 76 anos no templo vá conseguir explicar qual ônibus pegar para chegar ao centro comercial.

Mas em muitos lugares turísticos existem profissionais que falam Inglês e estão aptos a ajudar o turista perdido, ou pelo menos placas com informações básicas.

Em muitos restaurantes é possível encontrar menu  e mais algumas informações em Inglês.

Muitos alunos das universidades falam Inglês, é perfeitamente possível se virar dentro de um grupo de pesquisa apenas com Inglês. Arrisco dizer que é bem mais fácil do que seria tentar me virar apenas com Inglês em uma universidade brasileira.

Nas prefeituras e subprefeituras existem panfletos de informação não somente em Inglês, mas também em outras línguas incluindo o Português!


E no Brasil, as pessoas falam Inglês?
Algumas pessoas desavisadas me perguntam se o Inglês é língua oficial no Brasil, ou se a maioria dos brasileiros fala inglês com fluência. A resposta, obviamente, é não.

Apesar de sermos falantes nativos de uma língua européia com certa proximidade ao Inglês, e de muita gente saber quem é o Sheldon, pouquíssimas pessoas sabem Inglês.

Talvez seja o ensino fundamental e médio que é defasado e a pouca preocupação das universidades e empresas em se internacionalizar. Mas isso já é assunto para outro post...