Durante a minha formação escolar, aprendi que quando se falava em ocidente e oriente, o mundo seria dividido em duas partes a partir do Meridiano de Greenwhich, leste/oriente e oeste/ocidente. Seguindo esta linha de pensamento, o Brasil seria então parte do ocidente e consequentemente sua civilização seria considerada ocidental. Termos como "Oriente Médio" e "Extremo Oriente" fariam então muito sentido. Fácil e prático.
O Japão, localizado no extremo oriente, seria então considerado parte do oriente, e sua civilização oriental.
Sem problemas até aqui.
Representação gráfica da divisão do mundo em dois hemisférios |
Conforme fui crescendo e entrando em contato com mais fontes de informação, me deparei com textos e pessoas que falavam sobre o "choque entre a civilização ocidental e os indígenas americanos", o que simplesmente não faz sentido de acordo com a definição de ocidente e oriente que acabei de apresentar aqui.
Depois de um tempo ficou claro na minha cabeça que ocidente equivale a Europa e países que foram ou ainda são colônias européias. Mesmo estando mais a oeste que a Europa, as civilizações e culturas ameríndias não são consideradas civilizações ocidentais.
Apesar das óbvias inconsistências aqui e ali, sempre me considerei e considerei o Brasil ocidental, assim como muitos outros brasileiros.
Porém, numa dessas muitas conversas que ocorrem entre estrangeiros e locais (japoneses), discutíamos os grandes clichés das diferenças culturais. Durante a conversa, um japonês explicou como algumas coisas funcionam no Japão e no Leste Asiático, e perguntou como é nos países ocidentais ("western countries"). Após alguns europeus se juntarem e explicarem como essas coisas funcionam na Europa, jogaram a pergunta para mim - como é no Brasil?
Eu respondi que era do mesmo jeito que na Europa.
Todos absorveram com naturalidade.
Acrescentei que isso acontece porque o Brasil também é parte do ocidente.
Todos me olharam surpresos, até que uma européia comentou - É. Mas não conta.
A conversa continuou naturalmente.
Fiquei bastante intrigado e resolvi ler mais sobre isso.
São Paulo, cidade que cresceu nos moldes das metropoles estadunidenses. Ocidental ou não? |
Pois é, talvez por nunca ter parado para pensar nisso, ou ter conversado com alguém sobre, eu nunca tenha reparado, mas no senso comum europeu, norte americano, e de alguns outros lugares do mundo, o Brasil não faz parte do "mundo ocidental". Quando se escreve "western" em inglês, não se encontram muitas relações diretas com o Brasil ou com a América Latina, muito pelo contrário.
No meio jornalístico isso é bem claro, a gente vê o título sutil " doadores ocidentais poderiam aprender com o Brasil..." no britânico The Guardian; ou o contraste entre os BRICS, grupo do qual o Brasil faz parte, e o ocidente no Reuters; no The Economist que diz que "outros países não ocidentais, do Brasil à Turquia, da Índia à Malásia, estão seguindo a liderança da China".
Samuel P. Huntington, em seu livro "Choque de Civilizações" divide o mundo em civilizações, como "civilização subsaariana", "civilização islâmica" e "civilização ocidental". O Brasil faz parte da "civilização latinoamericana".
Mundo ocidental, no senso comum norte americano, europeu e japonês, são os países da Europa (exceto o leste europeu), Estados Unidos da América, Canada, Austrália e Nova Zelândia.
Em japonês se utiliza a palavra 欧米(oubei) para designar estes países. 欧 (ou) significa Europa, e 米 (bei) América, aqui entendida apenas como EUA. ou seja, 欧米人 (oubeijin) se refere às pessoas da Europa e dos EUA. Muitas vezes as antigas colônias britânicas também são incluídas.
Apesar de não haver um consenso sobre o porquê disso, o que parece ser considerado é o fato desses países chamados ocidentais serem industrializados, ricos, com maioria da população branca e cristã, e terem como maior influência a "cultura européia". Ou seja, a ideia não é a posição geográfica dos países, mas sim suas características políticas, culturais e econômicas.
Por esses critérios, alguns países da América Latina como a Argentina e o Uruguai, ou a região sul do Brasil, poderiam ser considerados tão ocidentais quanto a Austrália. Não é preciso pensar muito para chegar nessa conclusão. Porém, pouca gente fora da América Latina conhece o Cone Sul.
No senso comum das pessoas que se consideram ocidentais, nenhuma parte da América Latina é parte do ocidente. Claro que muita gente discorda disso, existem alguns posts de gente indignada com isso (ex: aqui, aqui, e aqui).
O principal contra argumento é que a America Latina, onde o Brasil está incluído, foi colonizada por europeus, recebeu muitos imigrantes europeus, fala idiomas europeus, e emula a civilização européia em praticamente todas as esferas. Por exemplo, a produção acadêmica e jornalística brasileira segue o padrão europeu e não se exclui dele de forma alguma. Muitos dizem que a América Latina é "excluída" do mundo ocidental por não ser rica, por causa do sub desenvolvimento de seus países, e da aparente "vergonha do primo pobre" dos países mais ricos.
Salvador, primeira capital colonial do Brasil, possui forte influência africana. Ocidental? |
Enquanto isso, outras pessoas acabam concordando que o Brasil não é parte do ocidente, apesar da forte influência européia, os nativos e os africanos também influenciaram fundamentalmente durante a formação do país. Depois vieram imigrantes não apenas da Europa, mas de muitos cantos do mundo exercer suas influências na cultura local. Apesar de emular e copiar muito da civilização européia e estadunidense, falar uma língua européia, muito do que aconteceu e acontece no Brasil é comparável ao que aconteceu e acontece em certos lugares da África e da Ásia, que não são consideradas ocidentais em hipótese alguma.
Pessoalmente eu acredito que classificar o Brasil como país ocidental e incluí-lo no mesmo grupo que a Europa seria limitar a cultura brasileira a uma única matriz, o país é muito mais que a simples decorrência de uma invasão portuguesa.
Por outro lado, também acredito que uma categoria como "ocidental", que engloba países tão distíntos e cuja definição é tão controversa que gera mais intrigas do que facilita a vida das pessoas, não deveria ser levada a sério.
E você, o que pensa a respeito?