terça-feira, 10 de novembro de 2015

O Japão é um país oriental, mas e o Brasil, é ocidental?



Durante a minha formação escolar, aprendi que quando se falava em ocidente e oriente, o mundo seria dividido em duas partes a partir do Meridiano de Greenwhich, leste/oriente e oeste/ocidente. Seguindo esta linha de pensamento, o Brasil seria então parte do ocidente e consequentemente sua civilização seria considerada ocidental. Termos como "Oriente Médio" e "Extremo Oriente" fariam então muito sentido. Fácil e prático. 

O Japão, localizado no extremo oriente, seria então considerado parte do oriente, e sua civilização oriental. 

Sem problemas até aqui.

Representação gráfica da divisão do mundo em dois hemisférios


Conforme fui crescendo e entrando em contato com mais fontes de informação, me deparei com textos e pessoas que falavam sobre o "choque entre a civilização ocidental e os indígenas americanos", o que simplesmente não faz sentido de acordo com a definição de ocidente e oriente que acabei de apresentar aqui.

Depois de um tempo ficou claro na minha cabeça que ocidente equivale a Europa e países que foram ou ainda são colônias européias. Mesmo estando mais a oeste que a Europa, as civilizações e culturas ameríndias não são consideradas civilizações ocidentais.

Apesar das óbvias inconsistências aqui e ali, sempre me considerei e considerei o Brasil ocidental, assim como muitos outros brasileiros.  

Porém, numa dessas muitas conversas que ocorrem entre estrangeiros e locais (japoneses), discutíamos os grandes clichés das diferenças culturais. Durante a conversa, um japonês explicou como algumas coisas funcionam no Japão e no Leste Asiático, e perguntou como é nos países ocidentais ("western countries"). Após alguns europeus se juntarem e explicarem como essas coisas funcionam na Europa, jogaram a pergunta para mim - como é no Brasil?
Eu respondi que era do mesmo jeito que na Europa.
Todos absorveram com naturalidade.
Acrescentei que isso acontece porque o Brasil também é parte do ocidente.
Todos me olharam surpresos, até que uma européia comentou - É. Mas não conta.
A conversa continuou naturalmente.
Fiquei bastante intrigado e resolvi ler mais sobre isso.

São Paulo, cidade que cresceu nos moldes das metropoles estadunidenses. Ocidental ou não?

Pois é, talvez por nunca ter parado para pensar nisso, ou ter conversado com alguém sobre, eu nunca tenha reparado, mas no senso comum europeu, norte americano, e de alguns outros lugares do mundo, o Brasil não faz parte do "mundo ocidental". Quando se escreve "western" em inglês, não se encontram muitas relações diretas com o Brasil ou com a América Latina, muito pelo contrário.

No meio jornalístico isso é bem claro, a gente vê o título sutil " doadores ocidentais poderiam aprender com o Brasil..." no britânico The Guardian; ou o contraste entre os BRICS, grupo do qual o Brasil faz parte, e o ocidente no Reuters; no The Economist que diz que "outros países não ocidentais, do Brasil à Turquia, da Índia à Malásia, estão seguindo a liderança da China".

Samuel P. Huntington, em seu livro "Choque de Civilizações" divide o mundo em civilizações, como "civilização subsaariana", "civilização islâmica" e "civilização ocidental". O Brasil faz parte da "civilização latinoamericana".

Mundo ocidental, no senso comum norte americano, europeu e japonês, são os países da Europa (exceto o leste europeu), Estados Unidos da América, Canada, Austrália e Nova Zelândia.
Em japonês se utiliza a palavra 欧米(oubei) para designar estes países. 欧 (ou) significa Europa, e 米 (bei) América, aqui entendida apenas como EUA. ou seja, 欧米人 (oubeijin) se refere às pessoas da Europa e dos EUA. Muitas vezes as antigas colônias britânicas também são incluídas.

Apesar de não haver um consenso sobre o porquê disso, o que parece ser considerado é o fato desses países chamados ocidentais serem industrializados, ricos, com maioria da população branca e cristã, e terem como maior influência a "cultura européia". Ou seja, a ideia não é a posição geográfica dos países, mas sim suas características políticas, culturais e econômicas.

Por esses critérios, alguns países da América Latina como a Argentina e o Uruguai, ou a região sul do Brasil, poderiam ser considerados tão ocidentais quanto a Austrália. Não é preciso pensar muito para chegar nessa conclusão.  Porém, pouca gente fora da América Latina conhece o Cone Sul.

No senso comum das pessoas que se consideram ocidentais, nenhuma parte da América Latina é parte do ocidente. Claro que muita gente discorda disso, existem alguns posts de gente indignada com isso (ex: aqui, aqui, e aqui). 

O principal contra argumento é que a America Latina, onde o Brasil está incluído, foi colonizada por europeus, recebeu muitos imigrantes europeus, fala idiomas europeus, e emula a civilização européia em praticamente todas as esferas. Por exemplo, a produção acadêmica e jornalística brasileira segue o padrão europeu e não se exclui dele de forma alguma. Muitos dizem que a América Latina é "excluída" do mundo ocidental por não ser rica, por causa do sub desenvolvimento de seus países, e da aparente "vergonha do primo pobre" dos países mais ricos.

Salvador, primeira capital colonial do Brasil, possui forte influência africana. Ocidental?


Enquanto isso, outras pessoas acabam concordando que o Brasil não é parte do ocidente, apesar da forte influência européia, os nativos e os africanos também influenciaram fundamentalmente durante a formação do país. Depois vieram imigrantes não apenas da Europa, mas de muitos cantos do mundo  exercer suas influências na cultura local. Apesar de emular e copiar muito da civilização européia e estadunidense, falar uma língua européia, muito do que aconteceu e acontece no Brasil é comparável ao que aconteceu e acontece em certos lugares da África e da Ásia, que não são consideradas ocidentais em hipótese alguma. 

Pessoalmente eu acredito que classificar o Brasil como país ocidental e incluí-lo no mesmo grupo que a Europa seria limitar a cultura brasileira a uma única matriz, o país é muito mais que a simples decorrência de uma invasão portuguesa. 

Por outro lado, também acredito que uma categoria como "ocidental", que engloba países tão distíntos e cuja definição é tão controversa que gera mais intrigas do que facilita a vida das pessoas, não deveria ser levada a sério.

E você, o que pensa a respeito?