segunda-feira, 25 de maio de 2015

As faculdades japonesas são gratuitas?

Universidade de Tokyo

É de conhecimento comum que a educação japonesa possui níveis muito altos, que a tecnologia e pesquisa produzidas neste país são de ponta. Mas poucos tem conhecimento de que educação superior não é algo acessível a boa parte da população.

Alguns sabem que o vestibular no Japão, e na Ásia em geral, é bastante disputado. Ingressar em uma universidade de grande prestígio no Japão é uma das condições essenciais para uma boa carreira. Porém, como não há vagas para todos nessas universidades, a disputa é bastante acirrada.

Muitas pessoas que conheço ficaram pasmas quando descobriram que a educação superior no Japão, mesmo nas universidades públicas, é paga.



Vou citar aqui o exemplo das universidades de Tokyo, Osaka e Kyoto, que são as três universidades públicas mais prestigiadas do Japão.


O preço salgado já começa no vestibular, que custa ¥17.000 (R$432,83*). Caso o estudante passe pela prova, há a taxa de matrícula de ¥282.000 (R$7.179,89*), e a anuidade de ao menos ¥535.800 ( R$13.641.78 *). Em outras palavras, a "mensalidade" dessas universidades é de ¥44.650 (R$1.136,82*). Alguns cursos são mais caros, como Medicina e Direito.

Já as universidades particulares em geral custam um pouco mais que o dobro disso, como a Universidade Sophia e a Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto, ou chegam a valores muito superiores como a Universidade Waseda e a Universidade Keio.

Alunos de pós-graduação, mestrado e doutorado, pagam a mesma quantia.


Universidade Waseda
Para aqueles estudantes cuja família não tem como pagar, existem bolsas de estudo, nas quais o estudante é dispensado de ter de pagar mensalidade, e a possibilidade de pedir financiamento estudantil ao governo ( student loan, mais informações aqui).

Porém, conseguir uma dessas bolsas de estudo não é fácil, em geral é pedido que o aluno possua excelente desempenho acadêmico e que sua família esteja passando por dificuldades econômicas devido a consequências de algum desastre natural ou equivalente (informações aqui).

Já no caso do financiamento estudantil, vale lembrar que o estudante precisa devolver o valor recebido uma vez formado.

Parece muito caro e difícil cursar ensino superior no Japão, mas o Japão não tem exclusividade nisso, outros países como EUA, Inglaterra e China também não possuem universidades gratuitas.

Um fato interessante é que, apesar de quase não oferecer oportunidades de bolsa de estudos ou outros incentivos para nativos e estrangeiros que vivem como nativos no Japão, existem várias bolsas de estudos, descontos e tratamento especiais para estudantes de outros países que desejam cursar alguma universidade japonesa.

Pois é, nem só de maravilhas vive o sistema educacional japonês.

* valores em 24/maio/2015

domingo, 24 de maio de 2015

Sobre a bolsa de estudos MEXT - minha experiência

Muita gente me pergunta como eu vim parar aqui. Uns acham que eu vim por intercâmbio da USP, outros que eu vim para trabalhar, outros que é alguma bolsa como ciências sem fronteiras ou CAPES.

Eu não sou mais vinculado à USP, não estou trabalhando aqui, e também não possuo nenhuma dessas bolsas. Eu vim pela bolsa MEXT do governo japonês.

Trata-se de uma bolsa de estudos oferecida anualmente a países com relações diplomáticas com o Japão, o que inclui o Brasil.

As informações básicas podem ser encontradas no site do consulado japonês de São Paulo.

Como algumas pessoas me perguntam como foi o processo, vou tentar descrever aqui  como foi minha experiência.

Cerejeiras que me recepcionaram logo que cheguei.


I - Projeto de estudos e prova

O consulado japonês de São Paulo exige um projeto de 6 páginas para a inscrição para a pós graduação. O modelo é bem semelhante a o que normalmente uma universidade no Brasil vai pedir para o ingresso na pós-graduação, ou mesmo a um projeto de iniciação científica. Nenhum segredo quanto a isso.

Eu estudei Psicologia durante minha graduação, e decidi não mudar de área, escrevi meu projeto embasado nas teorias psicológicas que tinha estudado e no estilo de escrita praticado em minha antiga universidade.

Como não queria cursar pós graduação em assuntos que estavam entre os tópicos que estudei e pesquisei durante a graduação, decidi partir para um campo novo - estudar a imigração de brasileiros ao Japão na perspectiva da Psicologia Social¹.

Fui a palestras, simpósios e outros eventos que versavam sobre este tema e que me deram mais ideias sobre o que escrever no meu projeto.

Li muitos artigos científicos, teses e alguns livros sobre o tema². Fui tomando nota de tudo que parecia interessante e pensando em possibilidades.

Consultei professores universitários e amigos sobre como escever um projeto e quais assuntos seriam interessantes abordar.

Por fim, decidi abordar algo que chamei de " A formação da identidade do adolescente imigrante brasileiro no Japão".

Escrevi o projeto, pedi para vários amigos e um professor universitário (que é acima de tudo meu amigo) lerem e comentarem. Reescrevi o projeto com base nos comentários e sugestões até chegar em uma versão aceitável.

Fiz a inscrição.

No meio tempo, ia estudando Inglês e Japonês, eu já falava, lia e escrevia Inglês com certa facilidade, mas meu japonês era básico, algo como o nível N4 do exame de proficiência.

Eu fiquei exausto depois das provas, mas senti que tinha feito algo bem, que tinha feito tudo que podia fazer ali.

Fui aprovado para a fase da entrevista.

II - Entrevista e preparação de documentos

A entrevista é carregada de formalidades( como eu descobriria depois que muitas coisas no Japão são assim), é esperado que os canditos se apresentem em vestimentas formais, ou seja, terno e gravata.
Em 15 minutos me pediram para explicar meu projeto, qual a viabilidade e importância de tal estudo, além de algumas perguntas mais específicas sobre o que estava escrito no projeto e sobre meus planos futuros.

Me lembro de ter saído da entrevista com a cabeça cheia e bastante estressado pela tensão do momento. Também me lembro de ter ido direto a um bar após a entrevista e ter pedido uma dose de cachaça e uma garrafa de cerveja logo que cheguei. Não me lembro do que mais aconteceu neste dia.

Este era o ano de 2011, ano em que o Japão sofreu muito com o chamado "grande terremoto do leste do Japão", algo que afetou o Japão em muitos aspectos, o que inclui a concessão de bolsas para pesquisadores estrangeiros.

Por causa disso, o consulado japonês de São Paulo deixou algumas pessoas "suspensas" do processo de bolsas de estudo MEXT após a fase da entrevista, ou seja, ainda não haviam decidido se algumas pessoas seriam aprovadas definitivamente para ir ao Japão ou não. Eu era uma dessas pessoas.

Depois de várias semanas de espera e incerteza, o consulado finalmente me informou que eu não fora aprovado.

Fiquei bastante desapontado e não sabia o que fazer da vida, se tentaria novamente ou se seguiria minha vida de outra forma.

III - Repensando o processo e prestando novamente

Depois de começar a trabalhar normalmente em uma empresa, ganhar meu próprio dinheiro, ter uma vida estável, e ouvir um monte de gente me falando que eu estava me dando muito bem no meio organizacional e que não havia necessidade de um intercâmbio eu decidi que iria tentar a bolsa de estudos novamente.

Por causa do emprego eu tive menos tempo para me preparar, mas como já tinha chegado tão perto talvez não precisasse de tanto tempo me preparando.

Segui a mesma fórmula para escrever o novo projeto -  li livros, artígos e teses,  assisti palestras e participei de mais simpósios, me consultei com amigos e pessoas ligadas ao meio acadêmico. Em suma, me aprofundei mais no assunto e resolvi escrever sobre o que chamei de " adaptação dos imigrantes brasileiros no Japão".

Meu Japonês já tinha melhorado consideravelmente( nível próximo ao N3 do exame de proficiência), e resolvi estudar a gramática do inglês com mais profundidade, para não ter problemas com nenhuma questão.

Eu passei na prova sem grandes problemas. A entrevista foi um pouco menos pesada, mas eu fui pro mesmo bar depois.

Desta vez eu fui aprovado!

Apenas a título de celebração



IV - Documentação e procura por universidade

Uma vez aprovado pelo consulado, é necessário que todos os documentos usados para a inscrição, além de um punhado de outros documentos, sejam traduzidos para o Inglês ou Japonês para que sejam enviados ao Japão. Dá um trabalhinho, mas compensa 100%.

Uma vez que todos os documentos estejam traduzidos, é necessário que se entre em contato com Universidades e laboratórios no Japão para que se peça uma carta de aceitação, ou seja, era preciso que algum laboratório de alguma universidade japonesa me aceitasse como aluno pesquisador e talvez futuro mestrando.

O consulado pede até três cartas de aceite. Eu contactei seis universidades japonesas, mas só fui aceito em duas delas. Uma dessas foi exatamente a universidade em que gostaria de estudar.

A maioria das universidades me rejeitou por causa do meu projeto, a metodologia e o tema não eram assuntos normalmente abordados nos laboratórios de Psicologia do Japão.

Depois de um tempo aqui que eu fui perceber que a Psicologia no Brasil e no Japão funcionam de maneiras bastante diferentes ( algo que eu quero explorar num post futuro).

O laboratório que me aceitou, o fez com a condição de que eu modificasse meu projeto para se enquadrar nos tipos de pesquisa que são realizadas nele.

V - Preparativos finais e partida

Após o envio de todos os documentos para a universidade no Japão e para o Ministério da Educação  japonês não restava muito a fazer que não esperar.

Tivemos uma reunião no consulado japonês para orientação para o embarque, integração dos bolsistas e algumas dicas sobre o Japão.

Arrumei minhas coisas, me despedi da minha família e dos meus amigos, e vim.

Vista da janela do avião a caminho do Japão.


Para saber mais sobre as bolsas MEXT

Recomendo baixar os ebooks "Guia da Bolsa MEXT - Graduação" e "Guia da bolsa MEXT - Pós Graduação" gratuitamente clicando aqui.

Consulados Japoneses no Brasil

Site oficial do MEXT


-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
¹ Quando escrevi o projeto, achva que Psicologia Social era algo que falava por si, mas na verdade existe uma gama enorme de "Psicologias Sociais" que podem ser semelhantes ou bastante diferentes.

² Para quem se interessa no assunto, recomendo três livros:
Psicologia, E/Imigração e Cultura - Sylvia Dantas
A identidade cultural na pós modernidade - Stuart Hall
A negociação da identidade nacional - Jeffrey Lesser